A crise do Corona vírus e os desafios para a classe trabalhadora

01/04/2020 18:42

Uma crise econômica de proporções maiores que a de 2008 estava sendo prevista por grandes economistas desde junho de 2018.  Porém, o Coronavírus que começou na China, rapidamente se transformou numa pandemia e criou uma situação maior do que a esperada.

A pandemia atingiu rapidamente a Europa e já atinge os países do continente americano. O número de pessoas infectadas está aumentando a cada dia, com número de mortes alarmantes. Inclusive nos países, que inicialmente negaram a gravidade da doença e que agora adotam medidas mais drásticas para tentar conter o avanço da doença.

Países de todo mundo adotam como objetivos centrais medidas para conter a infecção, com cuidados médicos, garantia das necessidades básicas para a população e investem na possibilidade de uma vacina.

Sem confiança nos governos burgueses

Temos assistido as medidas que vários países têm tomado para garantir as necessidades básicas da população. No entanto, a experiência mostra que não podemos confiar nos governos burgueses ou nos capitalistas.

Alguns governos subestimaram a doença, outros enganaram a população sobre a gravidade e real situação e, agora, recorrem a medidas em que jogam a responsabilidade e o peso da crise nas costas dos trabalhadores, enquanto, como sempre, tentam proteger a economia, atendendo aos interesses capitalistas e dos mais ricos.

Mesmo tentando conter a pandemia, as ações dos governos estão em conflito entre os interesses e proteção dos trabalhadores e os interesses da exploração capitalista. Fora da Europa os governos estão agindo de forma semelhante, afinal o capital “não deve sofrer” perdas maiores diante de uma recessão global e quedas dramáticas no mercado de ações.

Muitos países na Europa adotaram medidas de isolamento social, com fechamento de escolas, áreas de lazer e comércio, mantendo apenas os serviços essenciais. Cancelaram viagens e fecharam fronteiras. Entendemos que cancelar viagens de férias e para áreas de turismo é uma medida correta nessa situação de emergência sanitária. No entanto, o fechamento de fronteiras impõe um risco ainda maior aos imigrantes e refugiados que se encontram nessas áreas, expostos a situações desumanas e, agora, ao risco de contágio. 

Em vários países a pandemia expõe claramente o resultado das políticas neoliberais de austeridade das últimas décadas. O desgaste do sistema de saúde e o desmantelamento da segurança social torna a ameaça do vírus ainda mais perigosa. Mesmo nos países mais ricos existe a ameaça de colapso no sistema de saúde, que é mal servido, atendendo aos interesses do lucro.

Grandes empresas, como montadoras de automóveis, só pararam as atividades diante da suspenção das cadeias globais de abastecimento e, as greves espontâneas de trabalhadores na Itália e na Espanha.

Para o imperialismo, por um lado fecham as áreas de lazer, por outro mantêm o funcionamento da produção como em montadoras ou no transporte. Os trabalhadores devem improvisar um “home office” e, quando isto não for possível, as empresas “relevantes” para o sistema devem continuar funcionando enquanto as outras devem retornar o mais rápido possível.

Lucro ou saúde

Mais uma vez fica claro que para o capitalismo apenas o lucro é relevante. Para manterem seus lucros as empresas colocam deliberadamente a saúde de seus trabalhadores em risco.

Esta política deixa claro a quais interesses de classe que os governos e os aparelhos estatais servem e, ao mesmo tempo, representa um obstáculo para a luta contra a pandemia e a saúde da população.

As pandemias ou epidemias exigem naturalmente medidas coercivas em todas as sociedades - não apenas capitalistas - para conter a propagação de doenças, especialmente quando ainda não foram encontradas vacinas. Portanto, restringir o contato social entre as pessoas ou, finalmente, fechar lojas, instalações culturais ou de lazer que não são necessárias para abastecer a população é uma medida necessária para preservar a vida de milhares de pessoas.

Ao mesmo tempo, no entanto, a restrição dos direitos democráticos e sindicais não deve ser simplesmente aceita. Pelo contrário. Se a classe trabalhadora, se os oprimidos querem evitar que a pandemia e a crise do capitalismo que a acompanha e agrava sejam "resolvidas" às suas custas, precisam de organização, comunicação, discussão política e resistência - e sobretudo de um programa de ação de mobilização. Este programa deve incluir medidas resolutas para combater a pandemia, incluindo exigências ao Estado, por exemplo, em termos de recursos para os cuidados médicos.  Ao mesmo tempo e sobretudo, deve ser também um programa de mobilização da classe trabalhadora e de todos os estratos não exploradores da população, a fim de impor medidas contrárias aos interesses privados, dos capitalistas e da exploração e, de estabelecer órgãos de controle constituídos pelos próprios trabalhadores.

A crise no Brasil

A crise econômica no Brasil começou a endurecer já no primeiro mandato da presidente Dilma. Mas, com o golpe que a derrubou, a crise se agravou ainda mais, pois se tornou também uma crise política. De lá pra cá a situação do país vem se agravando cada vez mais, com grandes ataques à classe trabalhadora, como as reformas trabalhista e da previdência.

Quando os servidores públicos das três esferas se organizavam para um grande movimento em todo o país para enfrentar a reforma administrativa, a pandemia do Coronavirus atinge o país. As Centrais sindicais imediatamente suspenderam o ato previsto para o dia 18 de março, mantendo a paralisação, com receio da transmissão do vírus em grande escala.

Atendendo ao capital, o governo editou uma Medida Provisória 927, também chamada de MP da Morte, que permitiria a suspensão dos contratos de trabalho por até 4 meses. Essa medida ganhou uma grande repercussão negativa em toda a mídia e no próprio Congresso, fazendo com que o governo retirasse o artigo que garantia esse ataque. Mas, a MP 927 faz outros ataques aos trabalhadores levando à retirada de direitos dos trabalhadores com emprego formal no país, como por exemplo, a ausência dos sindicatos nas negociações. Essa possibilidade deixa o trabalhador entregue à ganância dos patrões, prestes a assinar “acordos” que podem retirar direitos e até mesmo reduzir salários. Essa MP deveria ser devolvida ao governo pelo presidente do Congresso, negando levá-la a apreciação do mesmo. Para nós já está claro que o Coronavirus está sendo usado como pretexto para retirar direitos dos trabalhadores.

“Uma gripezinha”

O governo Bolsonaro, de forma inconsequente e criminosa, trata a pandemia como se fosse apenas mais uma simples gripe, “uma gripezinha”. Mesmo com vários integrantes de seu governo contaminados, ele insiste em desqualificar as ações preventivas. Isso ficou bem claro, no ato que ele mesmo convocou em apoio ao seu governo e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 15 de março. Até então ele estava sob quarentena e mesmo assim saiu do palácio para cumprimentar e abraçar seus apoiadores que ali estavam.

A pandemia tem avançado por todo o país. Na maioria das cidades muita coisa está parada. Todo o comércio, com exceção dos mercados e farmácias, está fechado. As academias de ginástica, bibliotecas e escolas públicas e privadas também estão fechadas. A orientação é para não sair de casa. Mas os trabalhadores que trabalham em indústrias não foram dispensados e continuam a trabalhar sob o risco de se infectarem. O transporte coletivo mostra todo o seu poder diante dos governos. Com a diminuição do fluxo de pessoas, a maioria das empresas está trabalhando com menos horários e com uma frota menor, no caso dos ônibus. Isso faz com que nos horários de pico, os transportes coletivos se apresentem com um número excessivo de pessoas, o que aumenta ainda mais o risco de se contaminarem.

Moradores da periferia e das favelas foram praticamente abandonados. Não existe nenhum programa destinado a eles para conter a pandemia. Em um vídeo do jornal Estadão, no youtube, um líder comunitário da favela Paraisópolis, em São Paulo, denunciou o abandono por parte das autoridades e tomou a iniciativa de organizar os favelados. São 420 moradores, lideranças locais, responsáveis por ruas determinadas. Nessas ruas, cada um deles tem contato com cerca de 300 moradores. Assim, eles analisam a situação da favela, formam equipes de distribuição de cestas básicas e estão improvisando local para cuidar dos moradores nos quais a doença se manifeste. Esse é um exemplo de como se organizar, não apenas para combater a pandemia, mas também para defender seus direitos democráticos que são desrespeitados diariamente pelo próprio estado.

No dia 24 de março, o presidente Bolsonaro, em rede nacional de televisão, contrariando especialistas e autoridades sanitárias mundiais, volta a minimizar a pandemia e convocou o povo brasileiro a sair do isolamento social, pedindo a “volta à normalidade” e o fim do “confinamento”. Afirmou ainda que “os meios de comunicação espalharam o pavor”.

A previsão é que abril seja o mês de pico na transmissão do Coronavirus no Brasil e o próprio ministro da Saúde já prevê um colapso no sistema de saúde, podendo ficar em uma situação semelhante à da Itália. O Brasil até esta segunda-feira (30/03), tem o registro de 159 mortos e 4.579 infectados, com uma taxa de letalidade de 3,5% (El País, 31/03/2020).

Infelizmente, não é necessário fazer qualquer esforço para perceber que o governo Bolsonaro está preocupado apenas em defender os interesses dos empresários e banqueiros, tentando salvar uma economia que já entrou em parafuso.

Capitalismo: um perigo mortal

Diante desse quadro temos que garantir os direitos democráticos que já vinham sendo atacados com as reformas e que passaram a ser atacados de forma mais acelerada através de MPs e Decretos que aprofundam essas reformas. O capital e seu representante, o governo Bolsonaro, querem e vão sobrecarregar as massas com os fardos da crise e, portanto, também com os riscos da pandemia. Não devemos aceitar passivamente a restrição geral dos direitos democráticos. Em vez disso, devemos usar esses direitos duramente conquistados para implementar um programa eficaz de combate à pandemia. A luta pela nossa saúde está intimamente ligada à luta contra a propagação da crise econômica. Para ter sucesso, não basta limitarmo-nos a medidas imediatas para combater a doença. Devemos também concentrar-nos nas causas sociais que tornam o vírus tão perigoso. Não é por acaso que a luta contra a doença exige uma ação determinada contra a exploração e a economia de mercado. Mais do que nunca, está claro que o próprio capitalismo se tornou um perigo mortal para a humanidade.

O direito à greve, reunião e manifestação deve ser defendido. Somos contra quaisquer medidas que transfiram os custos da crise para os trabalhadores e que discriminem ou excluem os oprimidos por raça. Precisamos também de todos os meios para lutar. Se queremos garantir que milhões de pessoas não percam os seus salários e direitos, teremos de lutar - nem o governo, nem o capital nos farão concessões. Por isso, precisamos de uma organização maior para defender os nossos interesses. Precisamos de órgãos de luta, tais como comitês de ação e órgãos de controle dos próprios trabalhadores, que sejam democraticamente legitimados e responsáveis perante a sua base.

A própria mídia alternativa oferece possibilidades de romper o isolamento das pessoas, pelo menos parcialmente. Trabalhadores e sindicalistas, campanhas e iniciativas políticas também podem usar esses meios de comunicação para estabelecer redes, realizar áudio e videoconferências e até mesmo as pessoas que estão sendo obrigadas a trabalhar nas empresas e os trabalhadores informais também podem coordenar suas atividades no trabalho, levando em conta instruções de segurança.

Diante desse quadro caótico as organizações da classe trabalhadora, Centrais sindicais, Confederações, Federações e Sindicatos, devem defender as seguintes medidas:

 

  • NENHUM DIREITO A MENOS!
  • Revogação imediata da EC 95, que estipula um limite de gastos com o serviço público;
  • Revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que em condições normais já limita os gastos com servidores públicos;
  • Contra a MP 927, MP da Morte. Essa MP não pode ser aprovada no Senado;
  • Suspensão imediata de todas as atividades que não são essenciais e a ampliação das atividades à distância;
  • Estabilidade e pagamento integral dos salários dos trabalhadores formais, inclusive os afastados por quarentena, enquanto durar os efeitos da pandemia;
  • Renda de um salário mínimo para todos os trabalhadores informais, desempregado, autônomos e uberistas, bem como para proprietários de pequenos negócios (lojas, restaurantes e outros) que precisam permanecer fechados por enquanto;
  • Suspensão do pagamento de contas e dos cortes de serviços públicos (água e esgoto, energia, telefone e internet), além do pagamento de outras despesas como aluguéis, planos de saúde, transporte público, empréstimos e financiamentos, pelo período que durar a crise;
  • Plano de emergência para atendimento da saúde pública nas favelas, bairros da periferia e assentamentos do MST e MTST;
  • Serviços de saúde gratuitos para todos - desde testes até acomodação hospitalar e cuidados intensivos;
  • Fortalecimento do SUS. Aumentar a produção de medicamentos pandêmicos (kits de teste, desinfetantes, proteção respiratória, etc.), fornecimento de informações à população e recrutamento pessoal médico e assistentes, sob o controle dos sindicatos e dos trabalhadores;
  • Abolição dos segredos comerciais e de todos os resultados de pesquisa de institutos estatais e privados; coordenação internacional de esforços para desenvolver uma vacina que esteja disponível a todas as pessoas gratuitamente;
  • Estatização sem indenização dos setores privados das indústrias da saúde, farmacêutica e de tecnologia médica, a fim de reunir recursos e colocá-los sob o controle dos trabalhadores e seus sindicatos;
  • Suspensão de todo o trabalho e atividades que não são necessárias para manter os serviços básicos para a população. Essas atividades devem ser definidas pela população trabalhadora, não pelos donos do capital e seus governos;
  • Pagamento incondicional dos respectivos salários para todos os trabalhadores que terão seus trabalhos suspensos;
  • Pagamentos adicionais para todos aqueles que trabalham na área da saúde e outras áreas que têm de continuar a trabalhar com risco de saúde. Se as empresas se recusarem a cumprir com estas medidas, devem ser expropriadas sem indenização;
  • Não à suspensão dos direitos dos trabalhadores por MPs, decretos e/ou por decisão das próprias empresas através da exigência de horas extraordinárias, “Home Office”, trabalho aos sábados ou domingos, transferências etc;
  • Contra a retirada dos direitos dos trabalhadores. É necessário formar comitês de controle nas empresas e em todos os setores, que controlem todas as medidas das autoridades e das empresas e que se necessário, as impeçam de fazê-lo;
  • Expropriação das grandes empresas construtoras. Expropriação imediata de moradias vagas, a fim de torná-las disponíveis para os necessitados;
  • Não fechar as fronteiras! Os migrantes devem ser submetidos a exames médicos como todos os outros e, em caso de infecção, deve receber cuidados médicos e sociais;
  • Cancelamento das dívidas dos países semicoloniais. Apoio à construção maciça de instalações médicas nos mesmos, pago com os lucros extras das corporações e estados imperialistas;
  • Coordenação de todos os esforços de pesquisa e desenvolvimento em vez de competição pelo lucro mais rápido. A pesquisa e desenvolvimento de vacinas deve ser retirada do controle de empresas privadas, de países individuais ou de blocos econômicos. Todas as pesquisas e resultados devem estar disponíveis publicamente na rede de internet. Uma comissão internacional de especialistas deve coordenar as decisões sobre quais equipes devem realizar qual pesquisa e desenvolvimento;
  • Taxação das grandes riquezas e dos lucros de empresas e bancos para financiar essas medidas. A classe trabalhadora que já é cotidianamente explorada, não poderá pagar por essa crise.