Europa: Retorno da Resistência

29/12/2014 19:35

Tobi Hansen, Neue Internationale 195, Berlin, dezembro 2014 Tue, 16/12/2014 - 17:00

 

Ao falar sobre a Europa, políticos burgueses nunca se cansam de apontar que a crise ainda não acabou. Bem, isso certamente está muito claro para os trabalhadores, os desempregados, os jovens e os aposentados que vivenciam a crise todos os dias. Em quase todos os países da Europa do sul e leste, há desemprego em massa, o que obrigou a geração mais jovem, em especial, ficar fora do mercado de trabalho. Os benefícios sociais também foram reduzidos drasticamente.

Economicamente, a UE foi oscilando entre a recessão e a estagnação, por quatro anos. O objetivo da "Agenda de Lisboa", para substituir os Estados Unidos como o número um da economia do mundo até 2010, foi claramente derrotado. A crise da dívida foi a consequência direta da crise financeira e econômica de 2007/08. No âmbito da UE, o imperialismo alemão, em particular, foi capaz de lucrar com a crise. A capital alemã foi capaz de estender seu papel dominante no mercado interno, enfraquecendo capitais concorrentes e politicamente aplicando o programa de austeridade através de cortes no orçamento e restrições de crédito.

A crise da dívida reforçou o "Tratado de Maastricht" existente relativamente aos déficits orçamentais, que foram reforçados pelo pacto fiscal da UE. Este prevê um limite para a escala europeia sobre a dívida pública, seguindo o exemplo alemão.

Depois de 2011, os "PIIGS" - Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha - foram os primeiros países a serem submetidos ao programa de austeridade. Isto foi acompanhado por cortes drásticos nos serviços públicos e nos benefícios sociais. Houve até mesmo mudanças de governo na Itália e na Grécia, com a "troika" imposta à Grécia para garantir que os objetivos de poupança da burocracia da UE fossem atendidos.

Isto mostra claramente quem tem que pagar pela crise dos bancos e do capital: os trabalhadores, os desempregados, os aposentados e os jovens através do sistemático empobrecimento em massa. 
Mas, mesmo em 2014, a crise ainda não acabou. Atualmente Itália, França e Bélgica estão no meio de novos cortes nos gastos sociais e outros ataques. Assim, a crise está chegando em círculos mais amplos e, pela primeira vez desde 2011, começou a ter um impacto direto sobre os estados do "Core Europe" –Coração Europeu-, como a França e Bélgica.

Por trás disso é a unidade de seções de capital europeu que estão determinadas a desafiar os Estados Unidos como o "hegemon" da ordem imperialista. Para este fim, há agora uma nova ofensiva do capital, mas também há uma nova onda de resistência por parte do movimento operário organizado. Na Itália e na Bélgica, estas novas medidas de austeridade pelo capital e Estado estão reunindo seções poderosas de militantes do proletariado europeu. Estes se organizam com o objetivo de estarem em condições de se defender dos ataques e para dar à resistência europeia uma nova perspectiva da luta de classes.

Itália

O primeiro-ministro Renzi apelidou o ataque aos direitos dos trabalhadores de "Job Act". Ele prevê de fato a abolição da proteção do emprego e condições de trabalho ainda mais precárias. Renzi abertamente colaborou com o líder da oposição Berlusconi para passar esta Lei pelo Senado. Isso aconteceu em 3 de dezembro, junto com um voto de confiança no primeiro-ministro em exercício. Desta forma, o Governo fez o seu próprio futuro depender do sucesso do seu ataque aos direitos dos trabalhadores.

O governo está contando com dois pequenos parceiros de coalizão burguesa: a "Citizen List" (lista Cidadã), SC, criado pelo "transitional premier" Monti, e do “New Centre-Right”, NCD, um grupo separatista de Berlusconi de “People of Freedom” party. Então Renzi está a avançar com a política de Monti, cujo principal objetivo são os cortes nos serviços públicos. Os salários foram congelados por 6 anos. Ao mesmo tempo, 10% de 3 milhões de postos de trabalho foram cortados. O aumento da idade da aposentadoria, iniciada sob Monti, também continuou. A única concessão do governo Renzi foi um alívio fiscal de € 80 para os empregados com menos de € 1.500 por mês. Este foi apresentado como um “turning point” (ponto de viragem) pela maioria dos dirigentes sindicais que, por isso, continuam a apoiar o governo.

No início de 2014, Renzi liderou um golpe no Partido Democrático (PD), que tirou o colega de partido, Letta. Na primeira, aos 39 anos de idade Renzi foi saudado como um reviver de um sistema parlamentar em quebra, mas sua caracterização como o "Tony Blair italiano" mostrou quais políticas eram de se esperar.

Os ataques foram negociados com a associação de capitalistas "Confindustria" e os líderes das confederações sindicais CGIL e FIOM. Este foi semelhante ao da "Aliança para o Trabalho", na Alemanha, através da qual o governo social-democrata, desde o início, integrou os dirigentes sindicais para atacar os direitos de suas bases. Na Itália, no entanto, esta política não foi aceita por todos os membros e CGIL e FIOM foram forçados a organizar uma forte manifestação que contou com cerca de um milhão de pessoas contra os ataques, em Roma, no dia 25 de outubro.

Isso foi repetido em 14 de novembro, com protestos em pelo menos 25 cidades. Em relação a estes protestos, os sindicatos COBAS (Confederazione dei Comitati di Base), USB (Unione Sindacale di Base) e pequenos sindicatos organizaram as suas próprias manifestações. Para o 05 de dezembro, todos os sindicatos convocaram uma greve geral de 8 horas, fechando os setores público e privado.

O confronto aberto do Governo Renzi com os sindicatos criou divisões profundas entre o Partido e em partes da sua base democrata no poder. Quando Renzi foi chamado para um comício de apoio em Florença, onde ele anteriormente tinha maioria, contou apenas com cerca de 10 mil apoiadores.

Nas ações de massa em outubro e novembro foram muito militantes. Auto-estradas e o Coliseu foram ocupados por horas por trabalhadores dos transportes públicos em Roma. Ao mesmo tempo, também houve confrontos entre os sindicatos. Por exemplo, os pequenos sindicatos, líderes do COBAS e USB não foram autorizados a falar no comício central da FIOM e CGIL em Milão e foram impedidos de chegar ao palanque pelo serviço de segurança.

Nesta situação, a esquerda revolucionária deve relacionar diretamente com as contradições resultantes e divisões entre, por um lado, a CGIL e FIOM, e, por outro, o Partido Democrata. A FIOM participou da negociação da reestruturação maciça na FIAT e, longe de desenvolver qualquer resistência, ela fez tudo o que podia para evitá-la. Agora, esses ataques são mais nítidos e ampliados para incluir toda a classe trabalhadora.

No entanto, a esquerda socialista também deve agir politicamente, por vezes, junto aos sindicatos sectários, como COBAS e chamar abertamente por uma frente unida contra o governo Renzi, para conduzir toda a classe na resistência. Não é suficiente apenas criticar os grandes sindicatos, como CGIL e FIOM, que estão ligados ao PD, ou organizar protestos e manifestações separadas. Estes sindicatos estão tentando canalizar os protestos em negociações para "melhorias" menores e esta política deve ser atacada com ação unida com base em uma política comum. Só desta forma é que os próprios trabalhadores se libertarão das ilusões de parceria sociais com líderes da CGIL e da FIOM e remodelarão seus sindicatos e organizações na luta contra os ataques de Renzi.

Organizações como a Esquerda Anticapitalista e outros esquerdistas socialistas devem intervir ativamente nestes movimentos, em última análise, com o objetivo de construir um partido revolucionário, com base em um programa revolucionário e firmemente ancorado na classe operária italiana que pode quebrar a subordinação ao Partido Democrata e aos dirigentes sindicais.

Protestos na Bélgica

A greve geral de ontem, que fechou praticamente todo o país e cortou ligações internacionais tanto pelo transporte aéreo quanto pelo ferroviário, foi o ponto mais alto até agora em uma onda de resistência que vem crescendo há várias semanas. É a resposta da classe trabalhadora à formação de um novo governo de direita conservadora/neoliberal, cuja primeira medida foi a de 10% de corte salarial na função pública. Além disso, a idade de aposentadoria foi aumentada para 67 anos e as regulamentações existentes que protegem os salários da inflação deverão ser retiradas – os trabalhadores devem perder mais de 330 € por ano, em média.

Em 6 de novembro, mais de 130.000 trabalhadores fecharam a capital, Bruxelas. Eles ocuparam o prédio da Associação dos Empregadores - Federation of Enterprises in Belgium  (FEB) -, e lutaram nas batalhas de rua contra a polícia depois de provocações por parte de nazistas e "oficiais civis". Na terceira semana de novembro, houve ataques limitados em diferentes regiões da Bélgica, que fecharam o transporte público.

O novo governo foi instalado após o governo minoritário do Walloon Socialist Party, sob premier Di Rupo que desmoronou. No sistema parlamentar belga há um Wallon e uma Câmara Flamenga com Socialista, democrata-cristão e grupos liberais, mas com uma direita mais forte na Flanders. Nos últimos anos, o extremista de direita e separatista "Vlaams Belang" foi um fator importante.

Este ano, o populista da direita NVA (Nova Aliança Flamenga) tornou-se a força mais poderosa na Câmara Flamenga. Ele surgiu a partir dos partidos conservadores flamengos e tornou-se parte do novo governo de coalizão sob o líder do partido de Bever. Agora, dois partidos liberais; o Walloon Reform Movement, MR, do novo premier Charles Michel e os Flemish Liberal Democrats, VLD, governam junto com os Flemish Christian Democrats, CDV, e os populistas de direita.

Embora não haja consenso dentro do governo sobre a principal demanda do NVA, que quer a secessão em médio prazo de Flandres que, no entanto, estiveram unidos durante os ataques à classe trabalhadora belga. Esta é uma das melhores organizações sindicais da classe trabalhadora na Europa. De acordo com várias contagens, os sindicatos organizam mais de 3 milhões. Em contraste com o sistema partidário, não há divisões regionais dentro dos sindicatos. Existem duas associações; a mais cristã CSC/ACV e a de orientação "socialista" FGTB/ABVV. Apesar de terem nomes diferentes em diferentes partes do país, eles são capazes de mobilizar unificadamente.

No entanto, as bases dos sindicatos e os grupos de esquerda precisam perceber que eles não podem vencer sua luta sob a liderança de um ou outro do Walloon Socialist Party, do ex-premier di Rupo, ou os dirigentes sindicais que só querem negociar sobre as reformas. Mesmo com a grande manifestação em Bruxelas, di Rupo só se queixou de que o Governo tivesse executado esses ataques "sobre as cabeças do povo", e os dirigentes sindicais estavam cantando a mesma canção.

Eles querem ressuscitar a parceria social previamente bem estabelecida, mesmo com os neoliberais e populistas de direita, sem entender por que o Governo precisamente não quer fazer isso e está propondo o "thatcherismo" para a Bélgica. O atual governo também apontou para os milhares de milhões de Euros de cortes feitos por Di Rupo, durante seu tempo no governo, entre 2011 e 2014. A classe trabalhadora belga precisa libertar-se da dominação do Walloon Socialist Party, controlando democraticamente as greves e todas as negociações entre o os líderes do governo e do sindicato.

A greve geral em 15 de dezembro e as diversas mobilizações regionais na Bélgica oferecem a possibilidade dos trabalhadores e ativistas construírem seus próprios comitês de greve, baseando a resistência aos cortes na população como um contrapeso à burocracia.

O social-democrata Walloon Socialist Party e os dirigentes sindicais querem usar a força da classe trabalhadora belga só para reviver a parceria social. No entanto, a força da classe organizada também oferece a opção de se opor aos cortes em todas as fronteiras linguísticas, e derrotando o novo Governo.

Grécia

A decisão do primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, para antecipar a eleição presidencial de fevereiro para esta semana também pode aparecer como uma resposta ao aumento dos níveis de manifestações de rua nas últimas semanas.

Desde o final de novembro, houve confrontos nítidos entre anarquistas e polícia. O motivo é a greve de fome pelo anarquista preso Nikos Romanos, em protesto contra as condições carcerárias. Nikos era um amigo e camarada de Alexandros Grigoropoulos, que foi assassinado pela polícia em 2008. Os confrontos incluíram ataques esporádicos a delegacias de polícia que levaram a prisões em massa e a polícia inflamou ainda mais a situação, utilizando os seus poderes especiais contra uma demonstrada carência de força física.

No entanto, o que motivou a ação de Samaras não foram as explosões de combates de rua, mas a probabilidade de que a eleição, de outra forma, iria ocorrer em meio a uma crise financeira. Embora Samaras só conseguiu reunir uma maioria parlamentar para seu orçamento de 2015 na semana passada e foi autorizado a prorrogação do prazo para o pagamento da dívida pelo Banco Central Europeu, BCE, este só lhe deu um espaço para respirar de dois meses. O prazo para o primeiro pagamento, de € 2,5 bilhões, agora cai em março, a ser seguido por um total de mais € 20 bilhões até o final do próximo ano.

Na Grécia, o presidente é eleito pelo parlamento. Embora o governo é em grande parte cerimonial, se o Parlamento não pode aceitar um candidato após três rodadas de eleições, a Constituição exige que o parlamento seja dissolvido e as eleições gerais serão realizadas. De acordo com as pesquisas de opinião, se uma eleição fosse realizada hoje, o partido reformista de esquerda Syriza seria, certamente, o maior partido e poderia até ganhar uma maioria parlamentar para formar um governo.

Dado o apoio passado do Syriza para o cancelamento dos pagamentos da dívida e oposição ao pacote de austeridade imposto pela "Troika" do BCE, da UE e pelo FMI, Samaras calcula que a possibilidade de uma vitória do Syriza pode ser o suficiente para assustar a maioria dos parlamentares para votarem em seu candidato, o ex-comissário europeu Stavros Dimas. No entanto, esta é uma estratégia de muito alto risco. Na votação do orçamento, Samaras reuniu apenas 155 votos em uma câmara de 300. Para vencer nas duas primeiras de, no máximo, três rodadas de eleição para o Presidente, ele precisa de 200, apesar de "apenas" 180 na terceira.

Em toda a probabilidade, portanto, a sociedade grega estará enfrentando um retorno à crise aguda nos próximos meses. No topo do conflito político interno, haverá também a inevitável pressão dos mercados monetários internacionais, obrigando-se o custo do endividamento do governo grego. De fato, alguns comentaristas, como John Dizard do Financial Times, estão sugerindo que a instabilidade criada por uma vitória do Syriza e incapacidade de pagar a dívida em tempo poderia forçar a Grécia a sair da zona do Euro neste momento, e que isso pode ser bem acolhido pelas autoridades europeias como uma lição para outros estados que enfrentam a crescente pressão de suas classes trabalhadoras.

A expectativa é clara; um novo governo teria de aplicar medidas de austeridade ainda mais duras do que o país já tem sofrido, seja para ser autorizado a permanecer dentro da zona do Euro ou a defender o valor de um Drachma (moeda grega) restaurado. Mas, se a crise é quase inevitável, tal resultado não é. A frente unida de todas as organizações da classe trabalhadora e da esquerda, comprometidos com a construção de conselhos de trabalhadores à base de delegados que pode mobilizar milhões para evitar a imposição de mais austeridade, poderia garantir um resultado muito diferente. Revolucionários na Grécia precisam lutar não só pela construção de tais organizações, mas para que elas sejam a base de qualquer novo governo, um governo dos trabalhadores.

Tal como os seus inimigos, os banqueiros, os financiadores e os eurocratas, os trabalhadores gregos terão de pensar em nível internacional, reconhecendo a necessidade não só para pedir solidariedade, uma vez que o capital internacional tenta quebrar a sua resistência, mas para que os trabalhadores em outros lugares na Europa sigam seu exemplo. Particularmente nos países que estão ao lado na linha de fogo, como França e Itália, a capacidade dos trabalhadores para defenderem o que resta de ganhos passados ​​e transformar lutas defensivas em ofensivas será profundamente influenciada pelas próximas batalhas na Grécia.

Para uma perspectiva pan-europeia da luta de classes

Contra o governo e planos da UE para pacotes de austeridade que irá devastar os padrões de vida e fazer o relógio andar décadas para trás, ações isoladas ou simbólicas, não serão suficientes. Aqui, também, as lições da Grécia, onde tem havido qualquer número de manifestações, greves e greves gerais, mesmo limitadas, têm de ser aprendidas pelos trabalhadores em todo o continente. A classe trabalhadora europeia necessita de uma perspectiva comum da luta de classes, é preciso ações de massa comuns e um programa comum contra a burocracia da UE, a Troika e contra, em particular, o imperialismo alemão. Isso será decisivo! Compreensível como os slogans antigermanicos ou ataques com bombas de tinta contra embaixadas alemãs possam ocorrer. No entanto, muito mais importante será uma perspectiva revolucionária socialista comum de todos os trabalhadores europeus e da esquerda socialista.

 

Traduzido e atualizado a partir Neue Internationale 195, Berlin, dezembro 2014

Traduzido para o português pela Liga Socialista, Brasil, em 29/12/2014.