México: Rumo a uma situação revolucionária?
Rico Rodrigues Mon, 08/12/2014 - 10:32
Em 26 de setembro, um protesto de estudantes em Iguala, uma cidade com mais de 100.000 habitantes, no estado de Guerrero, no sudoeste do México, foi fortemente reprimida com fogo aberto pela polícia contra os manifestantes. Seis pessoas foram mortas, muitas outras feridas e 43 estudantes presos. Desde então, nenhum deles foi visto novamente.
Em 8 de novembro, o procurador-geral anunciou à imprensa que a polícia havia entregue os estudantes para criminosos, que, em seguida, eles foram assassinados e seus corpos incinerados. Desde este anúncio, o México foi transformado em um estado de fúria crescente. A escala e a desfaçatez dos eventos chocou o país, inicialmente com dezenas e, depois, com centenas de milhares de pessoas tomando as ruas para exigir justiça, o fim dos assassinatos e da corrupção e, eventualmente, a renúncia do presidente Enrique Peña Nieto.
Os 43 estudantes de Ayotzinapa
Ayotzinapa é uma pequena vila de apenas 84 habitantes, no estado mexicano de Guerrero. O colégio de formação de professores localizado na aldeia, a Escuela Normal Rural de Ayotzinapa, é conhecida pelo radicalismo de seus alunos. Em 26 de setembro, um grupo de estudantes desta escola foi para Iguala, uma cidade próxima. Seu objetivo era chegar à Cidade do México para participar de um protesto para relembrar o Massacre de Tlatelolco e homenagear aqueles que foram massacrados, em 1968, quando, em torno de 200 a 300 estudantes foram mortos pela polícia. Para isso, eles queriam recolher dinheiro através de demonstração, um método comum de protestar e captação de recursos ao mesmo tempo, uma prática conhecida pelos alunos em Iguala e em outros lugares no México.
O que eles não sabiam era que desta vez o prefeito de Iguala não estava disposto a deixar que qualquer protesto tivesse lugar na cidade. O motivo foi que sua esposa estava planejando iniciar sua campanha eleitoral no mesmo fim de semana, ela era candidata ao cargo de seu marido para o próximo mandato. José Luis Albarca ordenou que seus policiais reprimissem os protestos por qualquer meio. Os oficiais obedeceram. Enfrentaram os alunos e abriram fogo contra eles. Três estudantes e três outras pessoas, que aparentemente não participavam no protesto, foram mortos. Muitos ficaram feridos, e 43 estudantes foram presos.
Após um mês de investigação, em 8 de novembro, o procurador-geral do país, Jesus Murillo, anunciou em entrevista coletiva na Cidade do México o que muitos não podiam acreditar. Os estudantes foram, entregues pela polícia aos membros do cartel Guerreros Unidos. Três membros da Guerreros Unidos foram posteriormente presos e revelaram o caso à polícia. Segundo a versão oficial, os criminosos levaram os alunos para o aterro sanitário da cidade vizinha de Cocula. No caminho, cerca de 15 tinham morrido de asfixia no transporte. Os sobreviventes foram mortos com um tiro na cabeça, e todos eles foram queimados no aterro.
No entanto, até agora, esta versão dos acontecimentos não foi oficialmente confirmada. Até o momento, as investigações não encontraram nenhuma evidência definitiva dos restos do assassinados no aterro. A associação dos pais dos alunos desaparecidos anunciou que não vai acreditar na história, até que seja encontrada uma prova, e acusou o procurador-geral de tentar encerrar o caso o mais rapidamente possível.
José Luis Albarca, prefeito de Iguala, que foi denunciado por policiais de ter dado as ordens para entregar aos alunos à máfia da droga, fugiu em 22 de outubro, junto com sua esposa, María de los Ángeles Pineda Villa, quando uma ordem para sua prisão foi emitida. Como agora foi oficialmente reconhecido, ambos tinham estreitas ligações com o crime organizado. As investigações revelaram que María Pineda estava no comando das finanças da Guerreros Unidos em Iguala! Dois de seus irmãos foram membros fundadores da organização criminosa e foram mortos em uma luta interna. Depois disso, ela assumiu o negócio.
Vivos os levaram, vivos os queremos!
Notícias sobre a corrupção, as ligações entre os políticos, a polícia e o crime organizado, ordens de assassinatos e sequestros não foi surpresa para o povo do México. Mais de 120.000 pessoas morreram vítimas da violência no México e 27.000 estão desaparecidas, desde o início de 2007, quando iniciou o envolvimento militar em uma suposta "guerra às drogas". Mas o caso dos estudantes de Ayotzinapa é muito cruel, muito brutal, e inacreditável demais para se sustentar. Milhões se perguntam: Como isso é possível?
Antes de Ayotzinapa, tudo foi feito supostamente para melhorar o México. Ao presidente, Pena Nieto, foi determinada a realização de um programa de reformas, incluindo a "abertura" do setor de petróleo. As empresas petrolíferas internacionais, sobretudo dos EUA, e os especuladores estão ansiosos para que isso aconteça. Pena Nieto foi elogiado pela mídia capitalista internacional por esta iniciativa. The Economist proclamou entusiasticamente que este era "o momento do Mexico".
Desde Ayotzinapa tudo mudou. O país está enfrentando uma das ondas de protesto das mais massivas que já vi. Em 11 de novembro, os manifestantes decidiram que a sede local do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o partido do Presidente Pena Nieto, em Chilpancingo (capital de Guerrero), ardesse em chamas. Um dia antes, alunos, professores e familiares dos desaparecidos ocuparam o aeroporto da cidade turística de Acapulco. Na Cidade do México, depois de vários protestos, as portas do Palácio Nacional foram incendiadas, e no estado de Michoacán o bureau do partido direitista PAN foi atacado.
O maior protesto em massa ocorreu no dia 20 de setembro, quando a associação de pais dos estudantes desaparecidos foi chamada para uma manifestação nacional na Cidade do México. A polícia falou pela primeira vez sobre 15.000, em seguida 30.000 e, finalmente, teve que admitir que mais de 100.000 pessoas participaram do protesto na Zócalo (praça principal) da cidade.
Várias delegações sindicais também participaram nesse protesto. O Sindicato dos Trabalhadores da Telmex (empresa de telecomunicações), organizou as quatro horas de "break" (paralisação) em solidariedade naquele dia. Dentre os diversos sindicatos presentes estavam o Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro Nacional, o Sindicato dos Funcionários da Universidade, STUNAM, e o Sindicato dos Comissários de Bordo e Pilotos. Durante esse dia também houve uma reunião de representantes dos estudantes, sindicatos e outras organizações na sede do sindicato dos eletricistas PME para coordenar outras medidas, incluindo a convocação para uma greve de 24 horas no 01 de dezembro.
Nessa data, uma nova onda de protesto abalou o país. Houve protestos em pelo menos 10 estados mexicanos. Além da solidariedade e da raiva sobre o desaparecimento dos 43 estudantes, a demanda pela demissão do presidente Pena Nieto foi a mais visível. Na Cidade do México, onde mais uma vez milhares de pessoas protestaram, representantes dos pais dos alunos rejeitaram a tentativa do presidente de acalmar a situação: "Tivemos que deixar o nosso trabalho, terrenos e casas para ir em busca de nossos filhos, porque para o Estado é indiferente fazê-lo. [...] Eu quero dizer a Pena Nieto que ele não é Ayotzinapa; temos dignidade!" Ele também denunciou a tentativa do ex-governador de Guerrero, Ángel Aguirre Rivero, para silenciá-los com o dinheiro.
Em Chilpancingo, e também em Acapulco, manifestantes fecharam os distritos comerciais. Em Michoacán, as estradas de acesso à cidade de Lázaro Cárdenas e seu distrito industrial foram bloqueados em um protesto organizado pela Coordenação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). E, em Oaxaca, o aeroporto internacional "Benito Juarez" foi ocupado por ativistas da Assembléia Popular do Povo de Oaxaca (APPO).
Em todo o país, os protestos juntaram-se, entre muitos outros, a Coordenação dos Trabalhadores em Educação de Guerrero (Ceteg), a Coordenação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Sindicato dos Trabalhadores Eletricitários (SME) e da Coordenação Nacional dos Estudantes recém-criada (CNE). Muitos alunos e professores de todo o país entraram em greve.
O que está em jogo no México?
O caso dos estudantes desaparecidos de Ayotzinapa deixou clara a situação podre do Estado capitalista mexicano. Todo mundo sabe que isso é apenas a ponta do iceberg. Durante a busca pelos corpos mortos, muitos outros foram encontrados (oficialmente 38 até agora), e anunciou-se que pelo menos 30 estudantes já haviam desaparecido em julho, em Cocula, a mesma cidade onde os estudantes secundaristas de Ayotzinapa foram supostamente levados e mortos. Em junho de 2013, três líderes camponeses em Guerrero, Arturo Hernández Cardona, Ángel Román Ramírez e Rafael Bandera Román, foram mortas por cartéis de drogas.
Infelizmente, estes não são exceções, mas apenas alguns exemplos individuais. Uma vez que a "guerra às drogas" foi declarada em 2006 pelo ex-presidente Felipe Calderón (PAN), dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Os números oficiais variam entre 60.000 e 80.000, outras estimativas atingem até 120 mil ou mais. O país tem sido fortemente militarizado.
A "guerra às drogas" é na verdade uma guerra social, realizada como resultado da pressão dos EUA. Com a proibição nos EUA na década de 1920 e 30, ela limitou-se a um aumento do tamanho do comércio proibido, os lucros e a violência das gangues em sua guerra uns com os outros e contra o Estado. O uso do exército de Calderón só aumentou as execuções e deu cobertura ao estado contra o alvo de estudantes e trabalhadores que lutam por seus direitos.
A única maneira de acabar com as suas consequências devastadoras para o México é legalizar as drogas e, em vez lançar uma guerra contra a pobreza e desemprego em massa, o solo no qual o abuso de drogas cresce, criar milícias populares armadas para proteger as comunidades e desarmar as duas gangues, a dos senhores da droga e a da polícia.
A chamada "guerra às drogas" é na realidade uma guerra contra os pobres, que sofrem com a violência de ambos os lados, dos cartéis da droga e do Estado. A "guerra às drogas" é um grande negócio para a máquina de guerra dos EUA, que vende armas para ambos, tanto para os militares mexicanos, quanto para os criminosos.
Esta política tem gerado enormes lucros para as empresas participantes, mas não mudou nada em relação ao mercado das drogas e ao poder do crime organizado. Pelo contrário, o caso de Ayotzinapa mostra o quão perto e ligados entre si estão a política, a polícia e o crime. A "guerra às drogas" é, evidentemente, um grande desastre.
As duas partes da ala mexicana da direita, o PRI e o PAN, estão envolvidos no conflito, mas assim também é o Partido de la Revolución Democrática (PRD), fundado por Cuauhtémoc Cárdenas, em 1989, uma vez que é um partido populista de esquerda com o objetivo de limpar a política mexicana. Ele também se afundou no pântano de corrupção e violência, como evidenciado pelo fato de que o prefeito de Iguala e sua esposa foram ambos membros do PRD, que os apoiou!
E assim, também, foi o governador de Guerrero, Angel Aguirre Rivero, que renunciou no dia 24 de outubro. O presidente, Enrique Pena Nieto, do PRI, também está envolvido em um escândalo de corrupção sobre uma residência privada, que ele estava adquirindo para ele e sua esposa de uma empresa de construção que recebeu contratos lucrativos do governo.
México é a segunda maior economia da América Latina, depois do Brasil, e um dos parceiros comerciais mais importantes dos Estados Unidos. Desde que os EUA, Canadá e México assinaram o acordo de livre comércio, NAFTA, em 1994, muitas empresas dos EUA terceirizaram sua produção para o México para se beneficiarem dos baixos salários e das fracas leis de proteção aos trabalhadores. Por outro lado, as empresas de Agricultura dos Estados Unidos aproveitam as exportações subsidiadas de alimentos para o México, arruinando a vida de centenas de milhares de agricultores locais. Empresas mineradoras canadenses vêm ao país para explorar os recursos e trabalhadores e deixam para trás desastres ecológicos e bolsões de miséria.
Tudo isso foi apresentado como um grande benefício para o país e seu desenvolvimento. De fato, o México é um país rico. No entanto, os números oficiais indicam que até 52% da população vive abaixo da linha da pobreza! Segundo a Comissão Econômica para a América Latina, o número ainda aumentou de 42% em 2006 para 52% em 2012, ao lado da "guerra às drogas".
México precisa de uma revolução!
Tudo isso revela que o México está enfrentando não apenas uma crise política episódica, mas uma crise fundamental da máquina do Estado, de suas instituições, dos principais partidos, da polícia, do Judiciário, em suma, do sistema capitalista. As massas não mais confiam em ninguém, seja a polícia, os políticos ou os juízes. Eles estão com muita raiva, o que pode ser visto nas manifestações.
Já, em 2012, as pessoas começaram a organizar grupos de autodefesa, a fim de defender-se não só contra traficantes de drogas, mas também de policiais corruptos, sobretudo nos estados de Guerrero e Michoacán. Em Guerrero, eles fundaram a Asamblea Nacional Popular, que é baseada em comitês locais, organizações de estudantes e de professores. A fim de coordenar novos protestos, a Asamblea Inter-Universitária e a Coordenação Nacional Estudantil (CNE) foram fundadas por estudantes.
Já existe uma longa e rica tradição de organização de protestos locais, durante as últimas décadas, no México. Nós apenas temos que lembrar o levante dos zapatistas em Chiapas, que defendem seus territórios autônomos, até hoje, ou a Assembléia Popular de Oaxaca (APPO), que criou o embrião de uma organização contra o poder das instituições oficiais estaduais. Nos últimos anos, houve também as lutas nos setores de petróleo, energia elétrica e mineração, contra a violação de direitos dos trabalhadores e também contra os "grandes" planos de privatização do governo (o que, no entanto, permanecem na agenda). Até agora, esse acúmulo de lutas populares e dos trabalhadores não produziu novos partidos políticos, como em outros países da América Latina (Venezuela, Bolívia, Brasil ...).
O momento é propício para organizar um partido revolucionário. Simples, mas marcante, a caracterização de uma situação revolucionária de Lênin, "os que estão no topo não são capazes de governar mais e os que estão abaixo se recusam a serem governados", certamente está se aproximando no México.
O partido de esquerda reformista, MORENA, Movimiento Regeneración Nacional, que se originou a partir de uma divisão do PRD e é liderado pelo ex-candidato presidencial Andrés López Obrador, está tentando se apresentar como uma alternativa. Este é certamente um dos maiores perigos que enfrenta uma alternativa revolucionária, já que MORENA representa algum poder institucional e também um apoio, mas que pretende apenas renovar a máquina do Estado capitalista em vez de quebrá-la.
O que é necessário no México é uma liderança que seja construída desde baixo, reunindo as experiências dos últimos anos, que ligue os protestos estudantis a trabalhadores e às lutas dos camponeses, e culminando em um programa revolucionário para a derrubada do capitalismo. É urgente coordenar as organizações existentes e discutir as perspectivas para os protestos, incluindo:
A organização de uma greve geral por tempo indeterminado para derrubar o governo.
Generalização e coordenação da experiência de organização de autodefesa. Não existe mais qualquer confiança na polícia capitalista e no aparelho do exército! Criar conselhos de soldados para lutar ao lado do povo!
Por um tribunal popular eleito para conduzir um inquérito sobre o desaparecimento dos 43 alunos e com a colaboração entre o governo local, a polícia e cartéis criminosos!
Criar conselhos de operários e camponeses para coordenar e dirigir a luta e tomar o poder das mãos da polícia, do Judiciário, da burocracia estatal e da classe capitalista!
Por um governo operário e camponês, com base em conselhos e nos grupos de defesa popular. Assumir que a fonte da corrupção, da miséria e da injustiça está no sistema capitalista!
Obviamente, um tal movimento revolucionário deve discutir os próximos passos, as medidas urgentes para acabar com a miséria de milhões de mexicanos: um salário mínimo com base nas necessidades reais dos trabalhadores e camponeses, um plano de trabalho para todos, a expropriação dos capitalistas, dos ricos e dos latifundiários.
Com isso, os trabalhadores mexicanos, estudantes e camponeses não estarão sozinhos, mas parte de um protesto em todo o mundo, que está reconhecendo cada vez mais que o sistema capitalista não está apresentando uma solução para os problemas crescentes da sociedade. A "democracia real" só pode ser realizada por um movimento revolucionário, que construa um governo baseado na auto-organização dos trabalhadores. Isso deve culminar em um movimento mundial e organizado em um novo partido revolucionário mundial, uma Quinta Internacional.