Natal traz de volta as relações entre EUA e Cuba
Rico Rodrigues Wed, 24/12/2014 - 11:21
Neste ano, Barack Obama teve um presente de Natal especial para dar ao mundo: Após 53 anos, os EUA voltam a estabelecer "relações políticas normais" com Cuba. Os laços foram cortados em 1961, depois que o governo revolucionário sob o comando de Fidel Castro realizou uma reforma agrária profunda e expropriou o capital dos Estados Unidos na ilha. Em retaliação, os EUA impuseram um embargo econômico completo sobre Cuba, que, em seguida, mudou-se para o campo da União Soviética e do "socialismo".
Os dois países vão abrir representações diplomáticas. Assim, em janeiro, uma delegação de funcionários americanos de alto escalão vai visitar a ilha para começar as negociações. As primeiras prioridades já foram identificadas como migração, operações antidroga e tráfico de pessoas. Além disso, as regulamentações sobre cidadãos norte-americanos que viajam para Cuba e vice-versa, de transferência de dinheiro, exportação, comércio e investimentos, particularmente no setor de telecomunicações, serão melhoradas. Os políticos de todo o mundo, especialmente da América Latina, por exemplo, da Venezuela, Nicolas Maduro, da Argentina Christina Kirchner e do Brasil, Dilma Rousseff, saudaram a iniciativa.
Existem organizações socialistas, geralmente aqueles inclinados ao stalinismo, que esmagadoramente acolhem esta notícia e celebram-na como uma "vitória da Cuba socialista" sobre o imperialismo norte-americano. No entanto, a evolução antes deste movimento, e os fatos do desenvolvimento econômico de Cuba, dá pouco apoio a essa interpretação. Então, o que é tão importante no anúncio feito pelo presidente dos Estados Unidos?
É claro que a notícia foi recebida com entusiasmo por muitos norte-americanos e cubanos. Especialmente para os membros separados das famílias, será uma grande melhoria ser capaz de visitar uns aos outros. Para milhares de famílias, será a primeira vez que eles poderão visitar um ao outro, novamente, depois de muitos anos. Economicamente, também significa uma grande melhoria para muitos cubanos com a família ou amigos nos EUA. A quantidade de dinheiro que pode ser enviado à Cuba em breve será aumentado de US $ 500 a US $ 2.000.
Isso também significa o fim do isolamento político e econômico para Cuba. Muitos cubanos, especialmente a geração mais jovem, estão esperando ansiosamente pelos investimentos e, principalmente, melhorias na comunicação, sobretudo na internet. Portanto, a felicidade do povo cubano é absolutamente compreensível. No entanto, uma análise política séria tem que olhar para além de tudo isso.
Em primeiro lugar, Cuba nunca foi realmente "socialista". Após a Revolução, em 1959, Castro e a camarilha da liderança em torno dele, seu irmão Raúl e Che Guevara centralizaram o poder em suas mãos e criaram um governo burocrático dos trabalhadores. Embora eles passaram a expropriar a burguesia sobre a onda de apoio de massa criado pela Revolução e no rescaldo da tentativa da CIA de invasão na Baía dos Porcos, a democracia dos trabalhadores e camponeses "nunca existiu em Cuba. Com a mudança para o bloco soviético, não só a contrarrevolução burguesa, mas também a democracia interna foi suprimida e abolida. Em seu último mês de governo, o próprio Che Guevara criticou esta tendência burocrática, e foi chamado de "trotskista" por Raúl Castro.
Cuba era, em suma, um Estado operário degenerado. A nacionalização da economia levou a ganhos sociais significativos das massas cubanas. Os sistemas de saúde e educação ainda estão entre os melhores e anos à frente de países comparáveis, especialmente na América Central. A mortalidade infantil é notoriamente menor do que nos EUA, e com 0,815 Cuba tem um dos mais altos índices de desenvolvimento humano na América Latina, perdendo apenas para o Chile.
No entanto, o stalinismo nunca poderia cumprir as suas promessas e, após o colapso da União Soviética em 1991, a economia cubana também entrou em colapso. O comércio exterior baixou o PIB em 80% e do PIB per capita em mais de 30% até 1993.
Nesta situação, o governo cubano, ainda sob Fidel Castro, introduziu pequenas reformas para abrir a economia ao investimento estrangeiro. As empresas comuns foram legalizadas e incentivadas, especialmente no turismo, que foi para substituir a indústria do açúcar como o principal setor econômico durante os anos 90. Além disso, os militares se tornaram um importante ator econômico em Cuba, principalmente no turismo, possuindo mais de 240 empresas em 2008. Neste ano, após 47 anos no poder, Fidel Castro entregou o cetro para seu irmão mais novo Raúl (que se aproxima dos 80 anos). Desde então, a "mudança econômica" aprofundou em Cuba, como comentaristas estrangeiros têm notado.
Durante os anos 90, o emprego estatal foi reduzido e os serviços sociais foram cortados. Em 2010, o novo presidente, Raúl Castro, anunciou um programa de reforma profunda. Mais de meio milhão de empregos no setor estatal deveriam ser eliminados. Os auto-empregos foram alargados e créditos estatais concedidos aos novos empresários privados. Novo reforço do capital privado na agricultura também foi anunciado. Até 2010, os agricultores privados já trabalharam 41% das terras agrícolas de Cuba, o que representou 71% do valor da produção agrícola. Em 2015, 1,8 milhões de trabalhadores são esperados para trabalhar no setor privado.
O líder do Partido Comunista Esteban Lazo disse em abril de 2012 que a produção do setor privado faria crescer de cinco para até 45% do PIB de Cuba dentro de cinco anos. Raúl Castro resumiu esta nova política com as palavras: "Temos que apagar para sempre a noção de que Cuba é o único país do mundo onde se pode viver sem trabalhar".
Então, em vez de celebrar uma "vitória do socialismo" em Cuba devemos reconhecer que este movimento irá fortalecer muito as forças do capital na ilha. Na realidade, este é um reconhecimento tardio por Washington de que Cuba foi "aberta para negócios" por um longo tempo e a pressão tem sido desenvolvida dentro dos EUA para uma mudança na sua política com Cuba. Enquanto os EUA mantiveram sua política de isolamento e embargo, esperando desesperadamente para o governo de Castro cair, os outros estavam fazendo negócios.
Julia E. Sweig, diretora de Estudos Latino-americanos no Conselho de Relações Exteriores (a US think tank), estava fazendo justamente este ponto quando ela disse à Al Jazeera: "Você vê que são outros intervenientes além da Venezuela estão chegando, os mais proeminentes são Brasil, China, alguns da Rússia e um pouco do México. A Europa agora está envolvida em um diálogo político profundo, que vai resultar em mais investimentos de seus países-membros, e eu acho que Cuba tem um tipo de fatia reservada da carteira para os Estados Unidos ".
Em janeiro deste ano, Cuba abriu sua primeira zona de livre comércio no porto recém-construído de El Mariel, a leste de Havana. Então, em março, a "Lei do Investimento Estrangeiro" foi aprovada pela Assembleia Nacional cubana. Esta lei abre todos os setores em Cuba para o investimento estrangeiro, com exceção da saúde, da educação e da imprensa. Ela garante isenção fiscal por oito anos e proteção da propriedade e dos lucros.
O capital dos Estados Unidos não pode se dar ao luxo de esperar mais. Há dinheiro a ser feito apenas a 150 km de distância de seu território. Portanto, o restabelecimento das relações entre os EUA e Cuba, infelizmente, mas muito mais realista, representa um progresso para o capitalismo, não para o socialismo.
No entanto, esse passo vai ajudar a trazer ar fresco para o sistema político cubano sufocante sob o regime burocrático. Existem centenas de milhares de jovens cubanos que não estão com entusiasmo à espera da reintrodução do capitalismo, mas sinceramente se perguntam como o socialismo pode ser realizado hoje. Entre a juventude do Partido Comunista Cubano, há discussões que identificam corretamente a regra burocrática, antidemocrática, como o principal problema, ao invés da propriedade dos bens em si.
Essas discussões certamente apontam na direção correta. A nova geração de trabalhadores cubanos tem de renovar a revolução, de fato realizar uma nova revolução para derrubar a ditadura burocrática e introduzir um sistema socialista real, em Cuba. Somente desta forma, pode se tornar Cuba uma luz real no mundo globalizado de crises capitalistas.
Traduzido para o português pela Liga Socialista, Brasil, em 05/01/2015