O mundo de sonhos reformistas de Dilma Rouseff

05/12/2017 23:20

Martin Suchanek, Gruppe ArbeiterInnenmacht, Berlin Sat, 02/12/2017 - 12:32

 

Dilma Rousseff, a presidente brasileira derrubada no "golpe parlamentar" falou recentemente na Universidade de Berlim. Martin Suchanek, do Grupo ArbeiterInnenmacht, relata:

Em seu discurso, Rousseff começou por apontar a novidade do golpe de estado de 2016. Este não foi um golpe militar acompanhado diretamente de prisões em massa, tortura, estado de exceção e estabelecimento de uma ditadura aberta. Pelo contrário, foi um golpe de Estado "parlamentar e judicial". Era uma questão de derrubar um governo eleito e legitimado pelo povo por meio de procedimentos formais e legais, através de acusações horripilantes.

O golpe não foi apenas dirigido contra a presidente, o governo e o Partido dos Trabalhadores (PT). Em certo sentido, sua queda foi apenas o prelúdio. Sob aplausos estrondosos, ela explicou que o alvo real desse "novo tipo de golpe de estado" era, e permanece sendo, a sociedade ou, mais precisamente, a classe trabalhadora, os pobres, a população rural, os oprimidos de raças e as mulheres.

Em poucos meses, o governo golpista de Temer, ex-coalizão do PT, desregulamentou o direito do trabalho, avançou com a privatização, cortou os gastos do serviço público e reduziu o pessoal. Da mesma forma, inúmeras restrições ao desmatamento da floresta amazônica e investimentos por capital internacional foram extirpadas. Ao mesmo tempo, a crise econômica do país piorou. De acordo com Dilma, os golpistas não só privaram de direitos e sangraram os pobres, como também arruinaram o país, atacando as instituições educacionais e as necessidades básicas das massas, mergulhando milhões na pobreza.

Os governos liderados pelo PT sob Lula (2003-2011) e Dilma (2011-2016) seguiram um curso diferente. Eles tentaram implementar um modelo alternativo para o neoliberalismo, impediram a privatização de bancos e empresas importantes e, com o Bolsa Família, ajudaram a criar um programa para melhorar a situação de milhões de pessoas empobrecidas. Este programa e o aumento do poder de compra do salário mínimo foram uma redistribuição a favor da classe trabalhadora.

Além disso, o Brasil estabeleceu um relacionamento diferente com seus vizinhos e os EUA, em que não estava subordinado incondicionalmente aos EUA e estava em condições amistosas com os outros países da América Latina.

Muitas vezes, Dilma comparou os governos antes de Lula e o do golpe de Estado com os 13 anos de política liderada pelo PT, o que resultou da comparação foi que aparentemente sempre agiu para o bem de todos. Sobre a contínua repressão, o estado do campo, a evacuação de bairros pobres para abrir caminho para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, ela permaneceu em silêncio. Não vale a pena mencionar que as exportações e os importantes grupos de capital foram reforçados. Empresas como a Petrobras (Petróleo Brasileiro SA) e a Odebrecht são tão agressivas a outros países quanto o capital norte-americano, alemão ou chinês. Claro, também não havia referência à permanência das tropas brasileiras no Haiti.

Quando falou sobre política externa, Dilma apresentou os interesses expansivos do capital brasileiro e sua busca de um papel hegemônico na América Latina como preocupação em manter uma "abordagem amigável" com todos. Obviamente, o governo e a população boliviana não acharam a exploração das reservas de petróleo locais pela Petrobras, empresa semigovernamental brasileira, bastante "amigável", na medida em que consideraram necessário, em 2009, restringir legalmente suas atividades. 
Dilma admitiu que os proprietários dos meios de produção ainda dominam o país, mas explicou que o PT não poderia fazer "tudo".

O Bolsa Família, um programa básico de bem-estar para os pobres, não é simplesmente um direito legal. Deixando de lado o fato de que o valor é muito baixo, Dilma também apontou que parte do suporte familiar está condicionada ao fato de os pobres atenderem a certos critérios, como 86% de frequência na escola pelas crianças.

Reforma e Capital

Não há dúvida de que essas reformas, por mais inadequadas que sejam do ponto de vista dos assalariados e das políticas sociais, ajudaram a melhorar a situação de milhões de pessoas. Elas puderam ser implementadas por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o PT ainda podia contar com uma base de massa nos sindicatos e movimentos sociais. Em segundo lugar, porque esta redistribuição limitada era compatível com as necessidades de expansão e os interesses de lucro do capital brasileiro e dos investidores estrangeiros. Sob Lula, o país experimentou um crescimento econômico. Apesar da sua última dependência dos centros imperialistas, como outras potências regionais, o capitalismo brasileiro conseguiu se posicionar de forma mais independente.

Até certo ponto, a expansão do capital exigiu uma política de fortalecimento do poder de compra assegurando salários mínimos e elevando o nível educacional da classe trabalhadora. Isso teve que ser imposto aos empresários pelo estado e pressão social, o que não é nada novo na história do capitalismo, mesmo sendo no interesse do capital social como um todo ou pelo menos sendo compatível com ele.

Dilma não negou que a política do PT, mesmo em sua própria auto-avaliação, era compatível com capital. Em vez disso, ela acusou os golpistas de arruinar o país - incluindo a indústria brasileira – de tentar restringir o poder de compra e o sistema educacional às elites e classes médias tradicionais (segundo Dilma, cerca de 35 milhões de pessoas). Isso significa que o mercado interno encolherá e que a força de trabalho qualificada necessária para a indústria, os serviços e os desafios da digitalização não será educada. Sua conclusão: sob o PT, o capital brasileiro estava realmente melhor.

A liderança do PT pode vê-lo como um mérito particular para conciliar a política social com os interesses do capital. No entanto, isso não altera o fato de que tal "parceria" só é possível para certos setores e por um período de tempo limitado e somente se não afetar os interesses fundamentais do capital. No entanto, também no Brasil, a burguesia e os grandes proprietários são classes ingratas. O lacaio cumpriu seu dever, agora ele deve ir.

Elites tradicionais e aparatos

As antigas elites do país, seus aliados imperialistas dos EUA e as tradicionais classes médias brancas e reacionárias associadas a eles, nunca pensaram em uma mudança de longo prazo no modo de exercício do poder, no abandono do seu monopólio do poder. Além disso, em um período de crise mais profunda e taxas de lucro em declínio, os ganhos de capital precisam ser assegurados pela redistribuição de baixo para cima (aumento da concentração de renda). As barreiras existentes à exploração devem ser removidas.

Aqui vemos um limite fundamental para a "política de reforma" dos governos liderados pelo PT. Eles nunca atacaram o monopólio da propriedade e os aparelhos de poder da classe dominante, nem mesmo foram tocados.

Os programas de reforma dos governos do PT, como o Bolsa Família e Fome Zero foram amplamente financiados pelas receitas tributárias da classe trabalhadora e das classes médias. Sob 13 anos de governo do PT, o capital e os ricos não tiveram que pagar um único centavo em impostos sobre riqueza ou herança.

O governo pode ter privatizado mais devagar, mas nunca foram atacados grandes negócios, ou a crescente concentração de empresas ou o parasitismo de estado e capital, ou seja, a escala de corrupção amplamente condenada. Os grandes monopólios não foram restringidos, mas foram promovidos como ponta de lança do "país" no mercado global. O monopólio da mídia, que está firmemente nas mãos dos reacionários, não foi quebrado, mas concentrou-se em menos empresas.

Tudo isso mostra que a liderança do PT nunca quis realmente um confronto com o capital e os grandes exploradores de terras. Isso também deixou claro o fato de que sempre governou em aliança com partidos abertamente burgueses. O "parceiro" mais importante, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB, foi mesmo instrumental na organização do golpe de estado e o vice-presidente, Temer, é agora presidente.

Mas o PT não só foi leal à aliança com o capital naturalmente a nível de governo. Em seu discurso de encerramento, a ex-presidente destacou que uma reforma do parlamento no Brasil nunca poderia ter sucesso porque a base de poder da reação, especialmente dos grandes exploradores, era muito maior nos parlamentos regionais e governos regionais. Segundo Rousseff, uma assembleia constitucional é, portanto, necessária. Há certamente algo nisso, mas o que o PT fez em 13 anos de governo para quebrar essa base de poder? O simples fato de fazer a pergunta já é (infelizmente) respondê-la.

Após o golpe, o reformismo está arrependido e radical. Depois de 13 anos falando às instituições, agora a necessidade de uma "assembleia constituinte" é retirada do chapéu.

O fracasso da política reformista do PT é particularmente claro quando se trata do aparelho estatal do país. É claro que as forças armadas nunca foram tocadas. Dilma até creditou seu governo com a expansão da polícia e do Ministério Público tanto no plano financeiro como em termos de pessoal. Para sua maior surpresa, foram os promotores e juízes nomeados sob o governo do PT que realizaram os processos de impeachment contra ele e também as investigações contra Lula. Após sua apresentação, a mesa da reunião perguntou a Dilma como foi possível, Dilma respondeu: "Não conseguimos imaginar isso".

A lógica do reformismo

Essa ingenuidade é tão surpreendente para todos que parece inacreditável. No entanto, tem uma lógica interna que deriva da política de reforma socialdemocrata. O aparelho de Estado burguês existente deve ser assumido como um meio pelo qual introduz a reforma no interesse dos explorados e oprimidos, por mais sangrenta que possa ser a história da repressão e a legislação.

Esta ilusão é reforçada pelo fato de que o pessoal do Estado burguês e suas instituições não são fornecidos diretamente pela classe dominante, mas por funcionários eleitos ou designados. Este aparelho, no entanto, está institucional e historicamente intimamente ligado à classe dominante através de milhares de canais. Contrariamente às esperanças do reformismo, isso também é verdade em sua forma constitucional "perfeita" - até certo ponto ainda mais, porque o capitalista pode cumprir suas funções melhor quando parece estar acima das classes.

Esta tendência está de mãos dadas com uma tendência histórica para um vínculo cada vez mais estreito entre o estado e os grandes negócios na era imperialista. A separação de poderes e o Estado de Direito não representam uma tendência contraditória a este respeito, mas apenas uma forma de sua aplicação, que se tornou a norma para os países imperialistas ocidentais após a Segunda Guerra Mundial, mas que só foi possível em uma extensão limitada para os países semicoloniais por causa de seu atraso econômico.

Quão estreita essa conexão entre o aparelho formalmente independente e a classe dominante realmente é ilustrada pelo fato de que Dilma e Lula foram julgados por "seus" promotores e juízes. Mesmo que os reformistas possam determinar o pessoal, eles não são "seus" funcionários, mas, em última instância, ainda são da classe dominante.

No Brasil, este aparelho é dominado por um bloco com crescimento histórico do grande capital, da propriedade e uma classe média branca emergentes da sociedade escravista. É historicamente ligado ao imperialismo dos EUA e quer realinhar o país não só economicamente, mas também geo-estrategicamente. Mas, e este é o dilema da classe dominante, está em uma crise profunda, mesmo após o golpe de estado.

Apesar do monopólio da mídia, da agitação e da repressão, Lula está adiante nas pesquisas para as eleições presidenciais em 2018. Embora as mobilizações do movimento contra o golpe de Estado fossem significativamente mais fracas, as esperanças das massas se concentram nas eleições de Lula. As suas reuniões são acompanhadas por dezenas de milhares. Nas pesquisas eleitorais, seu apoio é de cerca de 35%, e nos estados do nordeste do país, que têm uma proporção muito maior de pobres, o apoio a Lula atinge 70%.

Os partidos burgueses tradicionais não têm oponente credível. Eles estão se separando ou, como o presidente Temer, são tão impopulares que não têm chance de chegar até 10%.

Ao mesmo tempo, as forças reacionárias estão se tornando mais radicais à extrema direita, com Jair Bolsonaro. O líder do "Partido Social Cristão" está com cerca de 17% nas pesquisas eleitorais e, portanto, à frente de todos os candidatos burgueses "respeitáveis". Ele não apenas defende francamente a ditadura militar, mas também pede abertamente que se estabeleça uma nova ditadura militar. Ao mesmo tempo, ele também está na vanguarda do Movimento Brasil Livre (MBL), radical, sexista, homofóbico e racista, cujos partidários são compostos por latifundiários, fascistas e cristãos evangélicos. Essas forças não só agitam-se por objetivos extremamente reacionários, seus membros além de atacarem, também matam, transexuais, homossexuais, afro-brasileiros e membros de minorias religiosas.

Tudo isso aponta para um agravamento da situação em que as eleições presidenciais de 2018 terão lugar. O PT se baseia no cartão "Lula" e em uma estratégia puramente eleitoral. Também está trabalhando em uma possível coalizão com aliados burgueses, mesmo que sejam difíceis de encontrar. Não há dúvida de que milhões de trabalhadores também esperam Lula e o PT e que ele possa reverter as contra-reformas de Temer.

Mas a falha fatal está na estratégia do PT. Mesmo que Lula vença, o que o PT faria para evitar uma ofensiva renovada da elite ou até mesmo um golpe militar? Como controlará o aparato estatal burocrático? Como o poder do aparato estatal pode ser quebrado? Por que, dada a experiência de 13 anos de governo de coalizão liderado pelo PT, isso seria possível depois de uma vitória eleitoral em 2018?

Enquanto Dilma e o PT não têm uma resposta a essas questões, a classe trabalhadora brasileira não pode confiar no princípio da esperança. Apesar de toda a solidariedade com Dilma e Lula contra os ataques do golpe de estado, o que é necessário é uma ruptura política com a estratégia do PT e a construção de um novo partido operário que não queira ser o melhor administrador do capitalismo, mas derrubá-lo.

 

 

 

Traduzido por Liga Socialista em 05/12/2017