Partido Socialista dos Trabalhadores: Estupros e Crise de Democracia. E agora?

24/01/2013 19:35

O Partido Socialista dos Trabalhadores, a maior organização revolucionária socialista da Grã-Bretanha, e uma das maiores do mundo, está atualmente convulsionada pela mais grave crise de sua história. Esta

crise é o resultado das ações escandalosamente desleais, de sua própria liderança, o Comitê Central de 12 pessoas, antes, durante e depois da conferência anual realizada em 05 e 06 de janeiro.

A questão imediata no coração da crise é uma acusação de estupro contra o ex-membro do CC e Secretário Nacional, que possui liberação de tempo integral para o partido, Martin Smith, trazido por uma mulher, camarada do partido, há vários meses. A Conferência recebeu um relatório da Comissão de Litígios, nomeada pelo CC para apreciar a acusação, concluindo que a mesma "não foi comprovada". Este relatório foi aprovado pela conferência por uma margem estreita de votos.

Uma vez que um participante da conferência gravou todo o debate sobre a questão e transcreveu para o blog da Unidade Socialista -https://www.socialistunity.com/swp-conference-transcript-disputes-committ ... - tornou-se de conhecimento público e de fato um assunto de debate nacional e internacional.

Qualquer liderança - que não tenha perdido completamente a cabeça - deve ter percebido que seria impossível fechar o debate sobre estas questões por ameaças de expulsões adicionais. No entanto, o CC e sua burocracia de liberação integral, ao ter ido tão longe, obviamente, sentiu que tinha que esmagar toda a dissidência. Após a conferência, instruiu os membros a cessarem toda a discussão do assunto e ameaçou qualquer camarada que ignorasse essa instrução com medidas disciplinares.

Isso imediatamente levou a uma enorme explosão de raiva e desacordo e deixou os membros sem alternativa a não ser assumir as questões fora do partido. Membros mais respeitados do partido organizaram uma convocação pública pela adesão para derrubar as decisões do CC, a Comissão de Litígios e da conferência, que, ao que parece, foi um engano grosseiro. Entre estes membros estão incluídos Richard Seymour (do Lênin’s Tomb blog), Tom Walker, um jornalista de destaque no Socialist Worker, e do romancista e teórico jurídico China Miéville, que condenaram o CC da forma mais devastadora.

Durante o período de pré-conferência, um número de membros do SWP discutiram a possibilidade de formar uma fração para discutir a questão da manipulação do CC do caso contra Martin Smith, relacionando-o com as questões mais amplas de democracia partidária, ou melhor, a falta dela, que ficou destacada neste caso. No início de dezembro, embora nenhuma fração tinha de fato sido formada, quatro membros que iniciaram a discussão foram sumariamente expulsos pelo Comitê Central, sem audiência, sob a acusação ridícula de "fracionismo secreto ou permanente", longe de ser dada qualquer chance de se defenderem contra a acusação. A primeira vez que ouvi falar disso foi no e-mail para expulsá-los.

Há apenas um direito limitado para formar frações dentro do SWP. É geralmente permitido que se formem frações no período de discussão de três meses da pré-conferência, mas é necessários dissolvê-las imediatamente após a conferência. As discussões referidas ocorreram dentro do prazo estipulado. Com a propagação da notícia das expulsões, aqueles que inicialmente haviam rejeitado a formação de uma fração decidiram, agora, a favor dela e a eles se juntaram muitos mais para formar a "oposição democrática", cujo principal objetivo era derrubar as expulsões. Aos quatro membros foi negado o direito de apelar em pessoa para conferência. O movimento DO, que lutou pela rejeição das ações do CC e reintegração dos quatro membros expulsos, foi derrotado. Porém, verificou-se mais de 100 (cem) votos a favor e um número significativo de abstenções dos delegados presentes.

Uma vez que a sociedade como um todo, para não mencionar o grande público agora, sabia sobre as ações da liderança e sua forma de lidar com as questões em disputa, o silêncio, de fato, tornou-se impossível. Nas ruas e em seus locais de trabalho, os camaradas do SWP estão sendo questionados como membros do partido devido ao que tudo isso significa, especialmente porque acontece em um momento em que a questão do estupro e da opressão das mulheres está sendo discutida em todo o mundo.

A partir da transcrição da conferência, surge uma série de fatos chocantes. Apesar de um membro do CC ter sido acusado de estupro, o "julgamento" da questão foi deixado para um comitê dominado por camaradas íntimos do acusado, de fato, com duas correntes, e três ex-membros do CC. Apenas uma pessoa parece ter reconhecido a necessidade de imparcialidade, porém eles sabiam que o acusador era alguém que estava em inferioridade nesse comitê.

Ao acusado foram dadas duas semanas para preparar sua defesa, enquanto a mulher que se queixou, não foi dado nenhum aviso para que fizesse as alegações em sua defesa. Pior, ela foi questionada precisamente em questões altamente sexistas, como sobre sua atividade sexual anterior. Sobre isso, ativistas contra estupro, com razão, fazem campanhas que condenam a polícia e os tribunais.

Quando o Comitê o declarou que a acusação "não foi comprovada", a mulher não foi autorizada a recorrer a conferência, apesar de pedir o recurso. De fato, na conferência só foi permitido ouvir um movimento para rejeitar o relatório da comissão em razão do seu procedimento não resolver a questão de fundo. A liderança insistiu que outra queixa de comportamento sexista brutal, também contra Martin Smith, será adiada para depois da conferência.

Nenhuma organização é totalmente imune às ideias reacionárias e formas de comportamento na sociedade como um todo. O que uma organização revolucionária, comprometida com a superação dessas normas sociais, pode fazer é estabelecer os seus próprios códigos de conduta e procedimentos para lidar com o comportamento inaceitável sob qualquer forma. Tais métodos incluem o direito de formar frações e tendências, procedimentos abertos e democráticos para eleger lideranças, o direito a bancada de grupos socialmente oprimidos e um sistema para garantir a circulação de discussão interna.

Sem essas medidas, a liderança não se compromete perante os membros da organização e isso pode permitir o desenvolvimento de uma cultura de impunidade da liderança. Fora dos períodos de severa repressão, não há boas razões para limitar essas salvaguardas. Certamente, o relato de oposição a bancada de mulheres, alegando que elas são uma concessão para o feminismo, tem que ser rejeitada. Pelo contrário, o direito de bancada é um reconhecimento da difusão da cultura machista e que os revolucionários do sexo masculino não são de forma automaticamente imunes a ela. O presente caso parece confirmar isso muito claramente, a despeito do fato indiscutível de que a maioria dos membros SWP são lutadores de princípio contra o sexismo e pela libertação das mulheres. Estes membros, que constituem a maioria do SWP, também foram achincalhados ​​pelo comportamento do CC e encontram suas próprias reputações postas em questão, entre colegas de trabalho e até mesmo o público em geral.

Alguns da esquerda têm argumentado que uma organização política não tem nem o direito nem a capacidade de investigar ou punir seus membros sobre o comportamento sexista que claramente envolve graves violações da lei, incluindo agressão, violência doméstica, crueldade física e mental etc. Em vez disso, eles argumentam que, neste caso, a camarada envolvida deveria ter ido direto para a polícia ou deve fazê-lo agora.

Certamente, qualquer vítima de crime tem o direito de ir à polícia, mas isso não significa que em todas as ocasiões o direito tem de ser colocado em prática. Neste caso, a camarada preferiu levantar a questão dentro de seu partido, sem dúvida, ciente das implicações de convidar o Estado para investigar uma organização comprometida com a sua derrubada. Foi esse o caso. Ela não estava sob pressão e nós acreditamos que ela estava certa, na verdade, nós aplaudimos a decisão dela. Ela tinha todo o direito de esperar que seus próprios camaradas levassem o assunto a sério e investigassem a fundo. Tudo mais que temos que fazer é condenar o que realmente aconteceu. Ela mesma ficou terrivelmente decepcionada, traída é ainda uma palavra fraca para expressar seu sentimento, por aqueles em que ela deveria ter sido capaz de confiar. Dada a importância do SWP, toda a esquerda pode esperar por danos pela hipocrisia vergonhosa de sua liderança - já a imprensa racista está se referindo a "Sharia tribunais".

Mesmo se a camarada decidisse chamar a polícia, como era o direito dela, o partido ainda teria o dever de investigar e, se concluísse a comprovação do erro, punir os responsáveis ​​com apenas as sanções reais de que dispõe: suspensão ou expulsão. Sugerir que um partido não pode, ou não deve, investigar e julgar o caso em si, porque ele não tem os mesmos recursos disponíveis para a polícia, é ignorar o fato de que uma organização política trabalha com critérios diferentes. Estes devem ser mais rigorosos em relação ao suposto criminoso e mais simpático e compreensivo para o queixoso do que a polícia, o Serviço de Acusação da Coroa e os tribunais, podem vir a ser. Dada a massa de evidência de como as mulheres sempre foram mal tratadas por essas instituições e ainda são (apesar das reformas), e dado, também, o prejuízo de se esperar deles uma sentença contra membros de uma organização revolucionária, tais expressões de confiança são, no mínimo, equivocadas.

O partido deveria de fato ter criado um órgão de investigação, mas deveria observar para que o mesmo seja tão imparcial e independente quanto possível. Ele não deveria conter os amigos do acusado, os membros do CC, ou quaisquer membros com liberação de tempo integral. Além disso, deveria ter sido constituído por uma maioria de mulheres. Nem deveria ter havido qualquer sugestão de levar o caso à polícia, impedindo a camarada de requerer a investigação e ação disciplinar no partido. Dessa forma, o partido e seus membros não poderiam ser acusados de violar os direitos da suposta vítima, se quisesse exercê-los.

Ao não agir dessa forma, o CC expôs a organização e seus membros a uma enxurrada de ataques hostis sobre eles pela mídia burguesa e, potencialmente, pela polícia, também. É necessário que todos os socialistas do SWP defendam seus membros contra a mídia e o estado na “caça às bruxas”, mas a melhor maneira para os membros do SWP fazerem isso é denunciar a má conduta antidemocrática e machista do CC e definir sobre como colocá-lo na orientação correta. Isto significa lutar por uma conferência de emergência para restaurar as normas básicas do centralismo democrático no seu partido.

Isso inclui, mais urgentemente, readequar seu sistema, totalmente inadequado, para lidar com esses casos, incluindo a criação do direito de bancada de mulheres e de outros grupos socialmente oprimidos, e a investigação de todas as acusações pendentes de assédio ou abuso. Em um nível mais amplo, toda a questão sublinhou a necessidade de fazer grandes mudanças no Estatuto, especialmente a restauração dos direitos das frações, sem qualquer limite de tempo. Inevitavelmente, lembramos também que qualquer conferência teria que repensar a composição da liderança existente, que foi eleita por um conjunto tão falho de procedimentos.

Finalmente, como os marxistas, todos os membros do SWP que ficaram muito chocados com a conduta de seus líderes, terão de considerar como que a conduta e a falta de democracia interna que foi revelada estão relacionadas com a política de sua organização.  A análise da organização da luta de classes, a sua estratégia, táticas e prioridades, em uma palavra, o seu programa, tem que ser claramente definido e ajustado a cada ano. Afinal, um regime democrático interno só pode basear-se em fundamentos políticos corretos e seus membros têm que saber o que são. Sem isso, a liderança é descompromissada, ela pode vacilar e mudar a linha de organização e suas táticas, reforçando a sua mais recente inovação burocrática, em vez de privilegiar a discussão democrática interna.

Nós acreditamos que isso é o que está por trás da atual crise do SWP e vem sido desenvolvido há vários anos. Mas as crises podem ser oportunidades. Contra o pano de fundo da mais profunda crise capitalista em gerações, o fracasso das organizações estabelecidas e de suas lideranças, vemos o movimento da classe trabalhadora para liderar qualquer defesa efetiva da classe. A crise autoimposta do SWP ainda pode ter um resultado positivo - se seus membros a usarem para reorientar a sua organização e se envolver com outros revolucionários para construir um partido digno do nome. Nós, sinceramente, esperamos que eles possam – para o bem de toda a esquerda, tanto na Grã-Bretanha quanto internacionalmente.

 

Workers Power, Grã-Bretanha sab, 12/01/2013 - 20:34

Tradução Eloy Nogueira