Turquia: "Não estamos de luto, vamos rebelar!"
Svenja Spunck, GAM Infomail 800, Berlim, 16 fev 2015 Fri, 20/02/2015 - 14:46
O cadáver da jovem curda Alevi, Özgecan Aslan, foi encontrado na quarta-feira, 11 de fevereiro, em um rio em Mersin, uma cidade no sudeste da Turquia. Primeiramente ela foi morta a facadas e depois foi queimada porque tentou defender-se contra um estuprador. O principal culpado desapareceu, mas alguns homens de sua família, que também estavam envolvidos no crime, já confessaram. Eles têm um fundo de ligação com os fascistas turcos, os Lobos Cinzentos. No Facebook relataram assistindo uma série turca cujo enredo começa com o estupro de uma jovem mulher.
Aumento da violência contra as mulheres
Özgecan estava a caminho de casa, sentou-se na parte de trás de um micro-ônibus, quando o motorista atacou. Por causa de sua origem étnica, ela era, como indivíduo, socialmente desfavorecida, mas o caso dela não é um caso isolado e temos de abordar a questão da frequência da violência brutal contra as mulheres na Turquia. Desde que o governo AKP chegou ao poder, em 2002, tem aumentado rapidamente; até 2009, o número de casos registrados aumentou em 1.400 por cento!
O Partido da Justiça e Desenvolvimento, AKP, é um partido conservador islâmico. Suas políticas contra a igualdade entre homens e mulheres, contra os não-muçulmanos e contra as minorias étnicas, foram aplicadas com métodos autoritários, mas têm forte apoio na população rural fortemente religiosa e economicamente atrasada. No início de sua carreira política, o ex-prefeito de Istambul e atual primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, declarou: "A democracia é apenas o trem em que viajamos até chegarmos ao nosso objetivo. As mesquitas são as nossas casernas, as minaretes (torres das mesquitas) nossas baionetas, os domos (cúpulas das mesquitas) nossos capacetes e os fiéis os nossos soldados ".
A retórica tem sido cada vez mais nítida desde que seu partido assumiu o governo. Desde então, o aumento do desemprego tem sido atribuído às mulheres que procuram um trabalho remunerado. Em vez disso, diz-se que elas devem ficar em casa, onde há o suficiente para fazer cuidando da casa e criando os filhos. Segundo Erdogan, toda mulher deve ter pelo menos três filhos e as mulheres grávidas não devem sair de casa. Para ele, o excesso de igualdade irá prejudicar a coesão da família e quanto à violência contra as mulheres, ela não aumentou isso é apenas uma percepção errada.
Assim, não só as mulheres, mas também o debate sobre a sua opressão, deve ser banido da vida pública. Em um novo programa legislativo, as penas para a violência contra as mulheres foram reduzidas, enquanto que a nível geral é proposta a introdução generalizada da pena de morte.
Agitação de Resistência
Após a morte de Özgecan, milhares de mulheres em muitas cidades foram às ruas, com o slogan "Não estamos de luto, vamos rebelar!". Esta é a abordagem correta. É claro que o evento em si é tão incrivelmente horrível que qualquer pessoa deve ficar triste com isso, mas a compaixão por si só não vai ajudar as muitas mulheres que continuam a sofrer tal violência.
Em vez disso, a raiva e a mobilização atual deve ser o ponto de partida para um forte movimento das mulheres que lutam contra sua opressão estrutural. Na Turquia, onde a família continua a desempenhar um papel muito importante, o direito das mulheres a se organizarem politicamente é o primeiro obstáculo importante que deve ser superado. Nos sindicatos, por exemplo, a proporção de mulheres é muito baixa, muitos homens não entendem por que eles deveriam se organizar, juntamente com as mulheres, especialmente quando estas supostamente competem com eles por empregos. Temos que combater essa consciência reacionária que se esconde por trás de uma "tradição" que deve ser questionada!
Um novo movimento de mulheres deve ser entendido, desde o início, como parte do movimento operário, como um movimento das mulheres da classe trabalhadora. As lutas atuais dos sindicatos fornecem um ponto de partida para a ação conjunta, mas é claro que tal movimento deve abordar o chauvinismo, o sexismo e ideias e comportamento reacionários não só na sociedade em geral, mas também entre os próprios trabalhadores.
É por isso que é de fundamental importância que as mulheres possam se encontrar, falar sobre sua opressão e aprender a se defenderem. Özgecan tentou se defender com spray pimenta, mas ela estava sozinha e não teve chance. Especialmente nas áreas rurais, é importante que as mulheres criem organizações de autodefesa.
As recentes manifestações têm enfatizado repetidamente que o próprio governo deve assumir a culpa pelo aumento da violência contra as mulheres, pelo fato de que os agressores não são condenados e por parecer tão normal que as mulheres sejam humilhadas e oprimidas.
O aumento da violência contra as mulheres e os ataques reacionários do governo e da extrema direita também são uma reação a uma mudança na sociedade, o que também se reflete nos protestos. As mulheres estão sendo atraídas para a produção, na vida econômica. Embora isso muitas vezes ande de mãos dadas com uma jornada dupla de trabalho e a superexploração, comprometendo também a seu papel tradicional na família patriarcal.
O slogan "Não estamos de luto, vamos rebelar!" expressa o fato de que muitas mulheres já não aceitam seus papéis como servas e vítimas oprimidas. Esta pode ser a pedra fundamental para o surgimento de um novo movimento de mulheres da classe trabalhadora.
Traduzido por Liga Socialista em 24 de fevereiro de 2015.